O hipotireoidismo é o distúrbio endócrino mais comum em cães e é causado por irregularidades estruturais e funcionais da glândula tireoide que acarretam na deficiência dos hormônios produzidos por ela (T4 e T3), podendo ser classificado em primário, secundário e terciário. O hipotireoidismo acomete animais jovens com idade entre quatro e oito anos, de porte médio a grande, e não apresenta predileção sexual (SILVA et al., 2021; DE MARCO et al., 2012; FERNANDES et al. 2020; RAMOS, 2017; SILVA; ROMÃO, 2021).
Sinais clínicos
Os sinais clínicos são inespecíficos e de evolução lenta, o que pode-se dificultar a percepção do proprietário e, consequentemente, atrasar o diagnóstico pelo médico veterinário (MONTANHA, 2011; RAMOS, 2017; SALIBRA et al., 2011; SILVA; ROMÃO, 2021). Em cães hipotireoideos as alterações metabólicas mais comuns são letargia, ganho de peso, alterações cutâneas como alopecia bilateral simétrica e desqueratinização, principalmente, de regiões ventrais do tórax, pescoço e cauda (conhecido como cauda de rato), além da fascies tragica (FREITAS, 2009; SILVA; ROMÃO, 2021; FERNANDES et al., 2020; RAMOS, 2017).
Diagnóstico
A dosagem de T4 total pode ser realizada através da técnica de radioimunoensaio (RIE), a qual utiliza anticorpos policlonais e mensura a porção ligada às proteínas com a fração livre no plasma, ou por meio imunoensaios enzimáticos (ELISA) e quimioluminescentes, o último com adição de um substrato quimioluminescente ao invés de isótopos radioativos para detecção da quantidade de ligação hormonal marcada ao anticorpo. É recomendado que a coleta de amostra seja realizada próximo ao meio-dia pois neste período o TSH alcança o seu pico em cães eutireoideos. Para tanto, também é indicado que o tratamento com levotiroxina deva ser interrompido por no mínimo quatro semanas (preferencialmente por seis a oito semanas) em animais suplementados, e que a amostra seja centrifugada, refrigerada e mensurada o mais rápido possível (THRALL et al., 2015; SILVA; ROMÃO, 2021; FIORINI, 2017).
O teste que apresenta melhor sensibilidade e especifidade em relação à função da tireoide é a mensuração da concentração basal de T4 livre por RIE, esta fração do hormônio encontra-se livre no plasma e tem ação direta nas células. Têm-se a diálise de equilíbrio, conhecida como T4 livre bifásico, como técnica padrão-ouro por não sofrer interferência de auto-anticorpos e de proteínas presentes no soro, e quando associado ao T4 total possui maior especificidade (FIORINI, 2017; SILVA; THRALL et al., 2015; SILVA; ROMÃO, 2021; DE MARCO et al., 2012).
A mensuração da concentração sérica basal de T3 total compreende à fração que está ligada às proteínas e à fração que está livre no plasma, a técnica recomendada é por RIE, entretanto a presença de anticorpos anti-T3 presentes interferem no exame, além de não avaliar a função tireoidiana porque a maioria é produzida em tecidos extratireoidianos por desiodação de T4. O T3 livre, também pode ser dosado através do RIE, porém possui os mesmos problemas que T3 total, pois é derivado em grande quantidade da desiodação de T4 e em menor quantidade na tireoide. O T3 reverso é um derivado da desiodação da tiroxina, portanto, é um produto inativo produzido dentro das células em situações em que o metabolismo da glândula tireoide se encontra reduzido. Apesar de também utilizar a RIE, não há muitos estudos sobre a dosagem deste hormônio em cães (FIORINI, 2017).
Na mensuração de TSH por RIE é esperado que seu valor esteja elevado devido à redução do feedback negativo à hipófise (hipotireoidismo primário), é um exame útil no diagnóstico de cães com suspeita de hipotireoidismo (Tabela 1), contudo deve-se ter cautela na sua interpretação devido à sua baixa sensibilidade, nos casos em que se observa os valores normais deste hormônio, não devendo ser excluída a possibilidade da doença (FIORINI, 2017; DE MARCO et al., 2012; SILVA; ROMÃO, 2021). Para dosagem sérica de hormônios tireoidianos é importante investigar a ocorrência de tratamentos prévios com fármacos como glicocorticoides, fenobarbital e sulfonamidas que podem alterar os níveis destes hormônios.
Tabela 1 – Interpretação dos resultados dos exames de função tireoidiana (T4 total, T4 livre, T3 total e TSH).
Nas alterações hematológicas, observa-se anemia arregenerativa normocítica normocrômica, e a contagem leucocitária é variável, pois a presença de leucocitose geralmente está associada a uma infecção concomitante como uma piodermite. A contagem plaquetária encontra-se aumentada e há a diminuição do volume plaquetário médio, é importante ressaltar que pode ter tendência ao sangramento por causa da disfunção das plaquetas ou defeitos nos fatores da cascata da coagulação que mimetizam a doença de Von Willebrand. Quando possuem o hipotireoidismo, os pacientes apresentam hipertrigliceridemia e hipercolesterolemia, além outras alterações hepáticas como o aumento discreto da fosfatase alcalina (FA) e da alanina aminotransferase (ALT∕TGP) (ROESLER, 2012; SILVA et al., 2021; SILVA; ROMÃO, 2021). Pode-se notar o nível sérico de creatinofosfoquinase (CPK) aumentada devido à miopatia ou às alterações no metabolismo muscular, e também é comum observar hiponatremia causada pelo comprometimento da excreção renal (ARIAS, 2018; ROESLER, 2012).
Apesar da biópsia/histopatologia da tireoide ser considerada uma técnica invasiva e dispendiosa, é um método diagnóstico útil na determinação da etiologia e da patogenia do hipotireoidismo permitindo diagnosticar tireoidites linfocíticas e atrofias severas da tireoide (ANDRADE, 2016; SILVA; ROMÃO, 2021).
Tratamento
O tratamento de eleição para o hipotireoidismo é feito com a suplementação oral de hormônio tireoidiano sintético que é a levotiroxina sódica (L-tiroxina), a utilização desta medicação resulta no aumento dos níveis plasmáticos de T4 e T3, uma vez que esses produtos podem ser convertidos à forma metabolicamente ativa T3 pelos tecidos periféricos e redução dos níveis de TSH. O principal objetivo de realizar o tratamento com a levotiroxina sódica é determinar a dose ideal que seja capaz de controlar os sinais clínicos sem induzir a tireotoxicose (ANDRADE, 2016; DE MARCO et al., 2012; RAMOS, 2017).
Referências Bibliográficas
ANDRADE, M. M. Hipotireoidismo canino: revisão da literatura. Monografia (Pós-Graduação em Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos Animais). Centro de Estudos Superiores de Maceió, Rio de Janeiro, 2016.
ARIAS, M. V. B. Manifestações neurológicas causadas por doenças sistêmicas em cães e gatos. Revista Científica de Medicina Veterinária – Pequenos Animais e Animais de Estimação, São Paulo, v. 2, p. 87 – 102, 2018.
DE MARCO, V. et al. Avaliação terapêutica e posologia da levotiroxina sódica em cães com hipotiroidismo primário adquirido. Pesquisa Veterinária Brasileira, Rio de Janeiro, v. 32, n.10, p. 1030-1036, 2012.
FERNANDES, C. G. et al. Hipotireoidismo em cão – relato de caso. Almanaque de Ciências Agrárias, Ourinhos, v. 03, n. 01, p. 1-6, 2020.
FIORINI, M. Diagnóstico de hipotireoidismo canino. Monografia (Graduação em Medicina Veterinária). Universidade Santo Amaro, São Paulo, 2017.
FREITAS, M. A. Hipotireoidismo em cães: aspectos gerais. Monografia (Graduação em Medicina Veterinária), Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Júlio de Mesquita Filho, Botucatu, 2009.
MONTANHA, F. P. Hipotireoidismo canino – revisão. Revista Científica Eletrônica de Medicina Veterinária, Garça, v. 01, n. 17, 2011.
RAMOS, P. V. Hipotireoidismo canino: revisão bibliográfica. Monografia (Graduação em Medicina Veterinária), Universidade de Brasília, Brasília, 2017.
ROESLER, T. Hipotireoidismo canino: revisão de literatura. Monografia (Graduação em Medicina Veterinária), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.
SALIBRA, R. et al. Hipotireoidismo neuropático – revisão de literatura. Ourinhos. 2011. Disponível em:<https://cic.unifio.edu.br/anaisCIC/anais2011/PDF/Medicinaveterinaria/HIPOTIREOIDISMO%20NEUROPATICO.pdf>. Acesso em: 20 de janeiro de 2022.
SANTÉ. Interpretação dos painéis tireoidianos. Brasília. 2021. Disponível em: <https://www.santelaboratorio.com.br/interpretacao-dos-paineis-tiroidianos/>. Acesso em: 20 de janeiro de 2022.
SILVA, J. H. A.; ROMÃO, F. G Hipotireoidismo em cães – revisão de literatura. Almanaque de Ciências Agrárias, Ourinhos, v. 05, n. 01, p. 22-34, 2021.
SILVA, K. V. M. et al. Aspectos diagnósticos do hipotireoidismo canino – revisão de literatura. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v. 7, n. 10, p. 95112-95117, 2021.
THRALL, M. A. et al. Hematologia e bioquímica clínica veterinária. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015.