ABORTOS EM BOVINOS
CAUSAS INFECCIOSAS DE ABORTO EM BOVINOS
No Brasil dispomos de recursos genéticos e biotécnicas de reprodução mundialmente reconhecidos, implementados por profissionais e empresas de excelência, entretanto, a resposta a estes investimentos, depende também em grande parte da presença de doenças reprodutivas no rebanho.
As doenças reprodutivas impactam diretamente no custo de produção da fazenda e as medidas de diagnóstico e controle somente são pensadas quando a perda já é irreversível, ou seja, quando já ocorreu o aborto, comprometendo a produção de leite, a reposição de animais e a taxa de descarte.
As perdas reprodutivas podem ser associadas a doenças reprodutivas de caráter infeccioso (doenças bacterianas, virais, fúngicas, parasitárias) e a condições não infecciosas (causas nutricionais, metabólicas, manejo e estresse térmico) (GILBERT, 2019).
Visto a grande diversidade etiológica e o impacto econômico das doenças reprodutivas, conhecer as principais manifestações clínicas e as estratégias racionais de diagnóstico são fundamentais para o controle:
CAUSAS BACTERIANAS DE ABORTO EM BOVINOS
As doenças reprodutivas de origem bacterina mais comuns são: brucelose, leptospirose, campilobacteriose genital bovina (CGB), listeriose, salmonelose e clamidiose.
A brucelose ( https://webapp374349.ip-45-79-40-107.cloudezapp.io/diagnostico-da-bucelose-bovina/ ) bovina é uma doença reprodutiva, de caráter zoonótico, causada pela Brucella abortus, que tem seu controle previsto no Plano Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose Bovina/Bubalina (PNCEBT). Manifesta-se primariamente por abortos, geralmente a partir do 5° mês de gestação e nascimento de bezerros fracos. Os principais sinais clínicos na fêmea são retenção de placenta, metrite, infertilidade temporária ou permanente, aborto, principalmente no final da gestação e nascimento de bezerros fracos. Nos machos, a infecção por brucelose pode causar orquite, balanopostite e infertilidade.
A leptospirose ( https://webapp374349.ip-45-79-40-107.cloudezapp.io/leptospirose-uma-zoonose-grave-negligenciada-2/ ) é causada por bactérias do gênero Leptospira spp. A principal fonte de infecção são animais infectados, que contaminam o pasto, a ração ou a água com urina contaminada e fetos abortados. Os principais sinais clínicos são repetições de cio, infertilidade, abortos intermitentes, mortes de bezerros, nascimento de bezerros fracos ou natimortos. Os abortos ocorrem geralmente após o 4° mês gestacional, sendo mais frequente a partir do 7° mês, podendo chegar a uma taxa de 40% de aborto nos rebanhos (DANIEL GIVENS; MARLEY, 2008).
A campilobacteriose genital bovina (CGB), causada pelo Campylobacter fetus subsp. fetus e subsp. veneralis, é uma doença infecciosa de transmissão venérea. Os touros são assintomáticos e portam o agente no esmegma prepucial. Nas fêmeas há doença clínica com morte embrionária, repetição de cio, infertilidade temporária, aumento do período entre cios e entre partos, baixa taxa de natalidade, endometrite e aborto entre o 4° e o 7° mês de gestação (MUGHINI-GRAS et al., 2021).
Listeriose, salmonelose e clamidiose são etiologias possivelmente subdiagnosticadas que circulam de forma regionalizada nos rebanhos brasileiros e podem cursar com aborto, transtornos reprodutivos e natimortalidade em diferentes estágios da gestação (GILBERT, 2019).
CAUSAS VIRAIS DE ABORTO EM BOVINOS
Dentre as principais doenças virais que causam problemas reprodutivos destacam-se Diarreia Viral Bovina (BVD), Rinotraqueíte Infecciosa Bovina (IBR) e Leucose Enzoótica Bovina.
O vírus da Diarreia Viral Bovina (BVDV) está frequentemente associado com transtornos reprodutivos, podendo causar abortos em qualquer fase de gestação, principalmente durante os primeiros 3 ou 4 meses. A transmissão pode ocorrer via transplacentária, contato direto entre os animais, fezes, produtos de aborto ou parto, secreção nasal, urina e sêmen. As consequências da infecção dependem do estágio da gestação, biotipo (CP ou NCP) e cepa do vírus. A infecção fetal entre 40 a 120 dias de gestação, com cepa NCP, frequentemente resulta em bezerros persistentemente infectados (PI) (MOENNIG; YARNALL, 2021).
O animal PI é imunotolerante e geralmente não apresenta anticorpos contra o BVBV detectáveis nos testes diagnósticos, entretanto, excreta o vírus continuamente em grande quantidade nas secreções. Por isso, a identificação e descarte destes animais constitui etapa fundamental para o controle e/ou erradicação do BVDV dos rebanhos (OLMO et al., 2018).
A tipificação do vírus da Diarreia Viral Bovina (BVDV) tipo1 e tipo 2, também tem ajudado a orientar os programas vacinais.
A Rinotraqueíte infecciosa bovina (IBR), Vulvovaginite pustular e Balanopostite pustular são doenças causadas pelo Herpesvírus bovino tipo 1 (BoHV-1), que pode levar a quadros de mastite, conjuntivite, vulvovaginite, balanopostite (inflamação da glande e do prepúcio), abortos, retenção de placenta e morte de bezerros recém-nascidos. Os abortos geralmente ocorrem após 4 meses de gestação, podendo ou não ser concomitante a outros sinais clínicos no rebanho como de conjuntivite, rinotraqueíte e vulvovaginite. A infecção, ainda pode resultar em fetos mumificados, natimortos ou nascimento de bezerros fracos (MARESCA et al., 2018).
Casos de infecção pelo Herpesvírus bovino tipo 5 (BoHV-5), associado a sinais clínicos nervosos, também tem sido diagnostivcados de forma cada vez mais frequentes, com alta mortalidade.
O Vírus da Leucose Bovina (VLB) leva a um quadro de imunossupressão grave que resulta em queda no desempenho produtivo e reprodutivo, mastites recidivantes e morte de bovinos, geralmente por pneumonias e enterites secundárias. A transmissão da leucose pode ocorrer através de objetos contaminados (agulhas e fômites), de forma vertical ou ainda, com menor importância, leite, colostro e sêmen. Na maioria dos casos os animais se mantêm assintomáticos, podendo no estágio crônico da doença desenvolver linfossarcoma (tumores), linfocitose permanente, infertilidade crônica, aborto, parto distócico, além de sinais inespecíficos como anorexia e perda de peso (D’ANGELINO; GARCIA; BIRGEL, 1998).
CAUSAS PARASITÁRIAS (PROTOZOÁRIOS) DE ABORTO EM BOVINOS
As principais doenças causadas por protozoárioas que afetam a reprodução são: neosporose e tricomoníase bovina.
A neosporose é causada pelo protozoário Neospora caninum. Caracteriza-se por aborto e nascimentos de animais mortos ou fracos. Os abortos podem ocorrer a partir do 3° mês de gestação, sendo mais frequentes entre o 5° e o 7° mês. A transmissão pode ser vertical (das vacas para seus descendentes) e horizontal através da ingestão de oocistos presentes no pasto, ração e água contaminados. A transmissão vertical é considerada a principal forma de disseminação da doença. Apesar disso, nem todas as fêmeas sorologicamente positivas irão transmitir a doença para a prole, pois fatores associado à patogenia da doença e estado imunológico da vaca devem ser considerados (OLMO et al., 2018).
A tricomoníase bovina, causada por Tritrichomonas foetus, um protozoário flagelado, está associado à morte embrionária precoce e aborto geralmente até 140-160 dias de gestação, maceração fetal, piometra e infertilidade transitória ou permanente. Em touros a infecção é geralmente assintomática, entretanto, estes se tornam portadores persistentes e transmitem a infecção através da monta natural. Touros jovens são menos suscetíveis a infecções. As novilhas apresentam maior incidência em relação às vacas, já que estas podem permanecer imunes até três anos após a infecção (DĄBROWSKA et al., 2019).
DIAGNÓSTICO DAS DOENÇAS REPRODUTIVAS
O diagnóstico das doenças reprodutivas pode ser realizado a partir da detecção do agente (métodos diretos como qPCR em tempo real e exame microbiológico) ou através da detecção de anticorpos (métodos indiretos como sorologia por ELISA).
O qPCR (Reação em Cadeia da Polimerase) em tempo real, detecta a presença do agente nos fetos abortados, placenta, secreções vaginais e/ou prepuciais e sêmen. É um ensaio com elevada sensibilidade e especificidade e que pode ser utilizado para diagnóstico de todas as doenças reprodutivas infecciosas. A cultura microbiológica também pode ser realizada a partir das mesmas amostras biológicas coletadas para qPCR.
O diagnóstico sorológico (método indireto) é amplamente utilizado para triagem de rebanhos com suspeita de doenças reprodutivas. Para as doenças virais e também para a neosporose a técnica de ELISA é validada e disponível comercialmente. Nos casos de leptospirose a técnica de Microaglutinação (MAT) é preconizada pela Organização Internacional de Epizootias (OIE). Enquanto para a brucelose devem-se realizar os testes de Antígeno Acidificado Tamponado (AAT) e 2-Mercaptoetanol (2-ME) conforme normatizado pelo Ministério de Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA).
O VERTÀ – Laboratórios Veterinário utiliza as técnicas de qPCR em Tempo Real (qPCR) para todas as doenças reprodutivas, além de realizar cultura bacteriológica e micológica. Realizamos também ensaios de ELISA para BVD, IBR, Leucose e Neosporose, de Microaglutinação (MAT) para Leptospirose e de AAT e 2-ME para brucelose bovina (para o qual somos credenciados pelo MAPA).
REFERENCIAS
D’ANGELINO, José Luiz; GARCIA, Maurício; BIRGEL, Eduardo Harry. Productive and reproductive performance in cattle infected with bovine leukosis virus. Journal of Dairy Research, vol. 65, no. 4, 1998. https://doi.org/10.1017/S0022029998003124.
DĄBROWSKA, Joanna; KARAMON, Jacek; KOCHANOWSKI, Maciej; SROKA, Jacek; ZDYBEL, Jolanta; CENCEK, Tomasz. Tritrichomonas foetus as a causative agent of tritrichomonosis in different animal hosts. Journal of Veterinary Research (Poland), vol. 63, no. 4, 2019. https://doi.org/10.2478/jvetres-2019-0072.
DANIEL GIVENS, M.; MARLEY, M. S.D. Infectious causes of embryonic and fetal mortality. Theriogenology, vol. 70, no. 3, 2008. https://doi.org/10.1016/j.theriogenology.2008.04.018.
GILBERT, Robert O. Symposium review: Mechanisms of disruption of fertility by infectious diseases of the reproductive tract. Journal of Dairy Science, vol. 102, no. 4, p. 3754–3765, 2019. DOI 10.3168/jds.2018-15602. Available at: http://dx.doi.org/10.3168/jds.2018-15602.
MARESCA, Carmen; SCOCCIA, Eleonora; DETTORI, Annalisa; FELICI, Andrea; GUARCINI, Roberta; PETRINI, Stefano; QUAGLIA, Andrea; FILIPPINI, Giovanni. National surveillance plan for infectious bovine rhinotracheitis (IBR) in autochthonous Italian cattle breeds: Results of first year of activity. Veterinary Microbiology, vol. 219, 2018. https://doi.org/10.1016/j.vetmic.2018.04.013.
MOENNIG, Volker; YARNALL, Matt J. The long journey to bvd eradication. Pathogens, vol. 10, no. 10, 2021. https://doi.org/10.3390/pathogens10101292.
MUGHINI-GRAS, Lapo; PIJNACKER, Roan; COIPAN, Claudia; MULDER, Annemieke C.; FERNANDES VELUDO, Adriana; DE RIJK, Sharona; VAN HOEK, Angela H.A.M.; BUIJ, Ralph; MUSKENS, Gerard; KOENE, Miriam; VELDMAN, Kees; DUIM, Birgitta; VAN DER GRAAF-VAN BLOOIS, Linda; VAN DER WEIJDEN, Coen; KUILING, Sjoerd; VERBRUGGEN, Anjo; VAN DER GIESSEN, Joke; OPSTEEGH, Marieke; VAN DER VOORT, Menno; … FRANZ, Eelco. Sources and transmission routes of campylobacteriosis: A combined analysis of genome and exposure data. Journal of Infection, vol. 82, no. 2, 2021. https://doi.org/10.1016/j.jinf.2020.09.039.
OLMO, L.; DYE, M. T.; REICHEL, M. P.; YOUNG, J. R.; NAMPANYA, S.; KHOUNSY, S.; THOMSON, P. C.; WINDSOR, P. A.; BUSH, R. D. Investigation of infectious reproductive pathogens of large ruminants: Are neosporosis, brucellosis, leptospirosis and BVDV of relevance in Lao PDR? Acta Tropica, vol. 177, 2018. https://doi.org/10.1016/j.actatropica.2017.10.007.